Domingos são prenúncios agoirentos de segundas feiras, o dia que na minha agenda nunca é bem vindo (agora lembrei-me da horrível cançoneta que acompanhava "A minha agenda", aquele resquício dos anos 80 que a televisão publicitava por alturas do advento, logo ao lado da Nancy patinadora e do castelo da playmobil).
Toda as criaturas com mais de 65 anos acham que podem sair à rua, aos pares, dentro da abóbora que só toma aquela forma ao domingo, e circular a 35 km/h em zonas de limite 50.
Não é que tenham que fazer aos dias de semana - embora ninguém o julgasse pela hora a que arrancam o esqueleto da cama - mas aos domingos é que é dia de sair.
Refeita do tormento viário que constituiu a travessia até ao berço bocageano, lá cirandei por ruas e vielas, da Praça da Misericórdia ao Miradouro, ziguezagueando através de soalheiras vozes de crianças, gatos estirados na preguiça da digestão, quintais com laranjeiras deixados à sua própria sorte e beirais de janelas com velhotas com cabelos de neve.
E só conseguia lembrar-me da gaveta de guloseimas que povoou o meu imaginário durante toda a minha infância. Vivia (a gaveta) na cozinha azul e branca da minha avó paterna, poetisa, fadista e contadora de anedotas ordinárias, que me levava ao miradouro a ver figuras nas nuvens e me falava do James Dean e da Elizabeth Taylor e de coisas mil. A frescura estival das paredes acobertava aquela gaveta mais preciosa que o baú do barba azul.
Os meus olhos cresciam ao adivinhar o que poderia conter, de cada vez que chegava a sua casa.
Subia a correr as escadas em que se perfilavam mil cores e aromas das flores que as suas mãos sabiam fazer sorrir.
Domingo. Preguiça soalheira e despreocupada. Gaveta das guloseimas. Avó Margarete.
And the beauty of memories blooms over the uglyness of sunday afternoon.
segunda-feira, 20 de abril de 2009
quinta-feira, 9 de abril de 2009
Isn't it just?
Ainda com as especiarias da afamada pasta da Taverna a adornar-me o palato, aventurámo-nos por correrias de cantos gregorianos através do empedrado das ruas do velho burgo palmelense até ao bem-amado ZX , o "nosso" Rocinante de mil peripécias e romarias.
Rumando ao cinema Charlot, sem qualquer pista acerca do que poderia estar a transmitir, contentes apenas por não se ter transformado em mais um centro espírita de colecta de pertences aos fiéis idiotas, deparámo-nos com um Happy-Go-Lucky do realizador de Vera Drake, que, a julgar pelo cartaz, nada tinha de político - vulgo - não prometia grande coisa.
Ainda assim, 7 kms de viagem consumada, cartões caducados a garantir um bilhete com desconto, lá tomámos os nossos lugares.
O início deixou entrever a vida aparentemente esquizofrénica da protagonista, Poppy, cujos fins de semana revelavam uma semelhança assustadora com os meus :S
Ao fim de dez minutos de película de baixo orçamento e um ar de London-kitsch-white-trash-empty-bed-conversations, comecei a, surpreendenteente, sentir crescer em mim um não convidado interesse.
E não é que dei por mim completamente embevecida pela performance de Sally Hawkins e a desejar, subitamente, conhecer algué como ela?
Fantástica, capaz de arrancar sorrisos com a desarmante simpatia que dedicava a todo e qualquer ser que cruzasse o seu caminho, incansável a provocar a histeria com as collants de renda colorida, quase tão ridiculas quanto as cuecas cor de laranja, as botas tigresse, a combinação de vestidos de um verde amazónico com casacos de veludo vermelho ou o colar com um arco íris :)
Adorável no seu profundo mau gosto para os trapinhos, Sally não protagoniza uma grande história. Não há um grande sentido latente em tudo isto, mas uma mensagem que gostava de guardar. O mundo pode ser visto através das lentes que escolhermos usar.
E lembrar-me-ei disto quando mais alguém me acusar de ver tudo com lentes cor de rosa.
Porque quero continuar a observar com gradações de rosa, violeta, laranja..porque negro e cinzento são tons neutros.
E eu não gosto da neutralidade.
Não somos seres neutros.
Temos corpos de valores, objectivos, atitudes, crenças,memórias..e não devemos abdicar daquilo que nos constrói.
Obrigado. Por agora é tudo. ahahahhahO início deixou entrever a vida aparentemente esquizofrénica da protagonista, Poppy, cujos fins de semana revelavam uma semelhança assustadora com os meus :S
Ao fim de dez minutos de película de baixo orçamento e um ar de London-kitsch-white-trash-empty-bed-conversations, comecei a, surpreendenteente, sentir crescer em mim um não convidado interesse.
E não é que dei por mim completamente embevecida pela performance de Sally Hawkins e a desejar, subitamente, conhecer algué como ela?
Fantástica, capaz de arrancar sorrisos com a desarmante simpatia que dedicava a todo e qualquer ser que cruzasse o seu caminho, incansável a provocar a histeria com as collants de renda colorida, quase tão ridiculas quanto as cuecas cor de laranja, as botas tigresse, a combinação de vestidos de um verde amazónico com casacos de veludo vermelho ou o colar com um arco íris :)
Adorável no seu profundo mau gosto para os trapinhos, Sally não protagoniza uma grande história. Não há um grande sentido latente em tudo isto, mas uma mensagem que gostava de guardar. O mundo pode ser visto através das lentes que escolhermos usar.
E lembrar-me-ei disto quando mais alguém me acusar de ver tudo com lentes cor de rosa.
Porque quero continuar a observar com gradações de rosa, violeta, laranja..porque negro e cinzento são tons neutros.
E eu não gosto da neutralidade.
Não somos seres neutros.
Temos corpos de valores, objectivos, atitudes, crenças,memórias..e não devemos abdicar daquilo que nos constrói.
don't take yourselves too seriously :)
E não é que a menina se parece imenso com a PJ Harvey?
quarta-feira, 1 de abril de 2009
O mote foi dado.
A proposta veio do Tiago ( A Olho Nú) e consiste em comentar a 6ª foto do 6ª arquivo de fotos do meu computador.
As minhas fotos, como tudo na minha vida, estão dispostas de forma anárquica e que contraria qualquer impulso obsessivo-compulsivo, pelo que pensei duas vezes antes de me submeter a um exercício de escrita criativa desta envergadura :P não fosse a dita imagem revelar algo extremamente desinteressante e acerca do que eu não tivesse vocábulos a empregar.
Mas descobri-me numa incursão até, sensivelmente, 14 meses atrás, aos tempos em que estava a estagiar no Eurocollege e oferecer-me para acompanhar os colaboradores de uma universidade finlandesa numa pequena excursão constítuia uma óptima alternativa a trabalhar a uma sexta feira.
Aparentemente macabra, a fotografia revela parte do cemitério de Varnja, uma pequena vila piscatória nas margens do lago Peipsie que divide a Estónia da Rússia.
Habitado primordialmente pelos old believers, permanece uma comunidade algo fechada na imagética tradicional que criou. Um forte sentimento comunitário emana sempre alguma hostilidade ou, pelo menos, dificuldade de penetração por elementos exteriores.
Minutos antes vistara uma casa-museu que mantinha o antigo mobiliário e ouvira, num macarrónico inglês, uma breve descrição dos modos de vida.
Trata-se de um sítio com um peso estranho, opressor de alguma maneira que não consegui discernir.
Aportou-me à poesia de novecentos, o desalento solitário daquele frio que trespassava sobretudos e impermeáveis sem se compadecer. Abandono. Abanono a passear-se por entre as casa de vivas cores, tingidas a açafrão e cravinho. Quando mais longe não podia estar das rotas de especiarias.
E flocos de neve.
E maneiras de arrumar a lenha caracerísticas.
E vontade de colocar outras fotos agora :)
A proposta veio do Tiago ( A Olho Nú) e consiste em comentar a 6ª foto do 6ª arquivo de fotos do meu computador.
As minhas fotos, como tudo na minha vida, estão dispostas de forma anárquica e que contraria qualquer impulso obsessivo-compulsivo, pelo que pensei duas vezes antes de me submeter a um exercício de escrita criativa desta envergadura :P não fosse a dita imagem revelar algo extremamente desinteressante e acerca do que eu não tivesse vocábulos a empregar.
Mas descobri-me numa incursão até, sensivelmente, 14 meses atrás, aos tempos em que estava a estagiar no Eurocollege e oferecer-me para acompanhar os colaboradores de uma universidade finlandesa numa pequena excursão constítuia uma óptima alternativa a trabalhar a uma sexta feira.
Aparentemente macabra, a fotografia revela parte do cemitério de Varnja, uma pequena vila piscatória nas margens do lago Peipsie que divide a Estónia da Rússia.
Habitado primordialmente pelos old believers, permanece uma comunidade algo fechada na imagética tradicional que criou. Um forte sentimento comunitário emana sempre alguma hostilidade ou, pelo menos, dificuldade de penetração por elementos exteriores.
Minutos antes vistara uma casa-museu que mantinha o antigo mobiliário e ouvira, num macarrónico inglês, uma breve descrição dos modos de vida.
Trata-se de um sítio com um peso estranho, opressor de alguma maneira que não consegui discernir.
Aportou-me à poesia de novecentos, o desalento solitário daquele frio que trespassava sobretudos e impermeáveis sem se compadecer. Abandono. Abanono a passear-se por entre as casa de vivas cores, tingidas a açafrão e cravinho. Quando mais longe não podia estar das rotas de especiarias.
E flocos de neve.
E maneiras de arrumar a lenha caracerísticas.
E vontade de colocar outras fotos agora :)
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