quinta-feira, 21 de maio de 2009


Eu nunca fui pequena.
Mesmo escondida por detrás de uma franja com remoinho. Enormes olhos inquisitivos. Boca a desenhar um traço fechado. Ocasionalmente esboçando um beicinho.
Mesmo quando me barricava atrás de caixas de madeira com a E. e o J. e nos imaginávamos aos comandos de um buliçoso café. Mesmo quando eu e a D. bebíamos água em taças de plástico cor de rosa, à imagem do que víramos n' "A Bela e o Monstro". Mesmo naquele mundo de fingir, de película de néon encantado.

Eu nunca soube ser sem peso. Nunca aprendi os segredos sussurrados da Mary Poppins e da sombrinha levitante. Sempre cambaleei no bailado de pequenos fantasmas, feitos de resquícios de acontecimentos. Pézinho de trapezista a pézinho de trapezista, no limbo entre a doçura oniríca e a realidade sob a forma de polaroids.
E permaneço aqui. No sítio onde tudo tem um peso e uma medida. Aninhada sobre mim mesma. Dançando na cadência ondulante de fantasmas. Ondulando como uma seara em gradações technicolour.
Até ao dia em que me levares a dançar sob um céu de folhas púrpura.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Respirei, pausadamente, silenciando o silvo de locomotiva que de dentro me consumia o habitual sorriso com que brindo o mundo exterior.
Sem elmo ou escudo que me ocultem, subo a escadaria cujo brilho se perdeu na poalha de outros tempos, amarelecido que está o antigo fulgor pela mediocridade académica a que hoje serve de pórtico. Uma faculdade inteira que quase cabia numa caixa de sótão.
De soslaio, espreito o reflexo de mim, apenas para confrontar no meu próprio olhar a dúvida escorrendo em laivos de ansiedade.
Como voltar a percorrer estes corredores sem o antigo conforto de saber o que encontraria em cada pedaço de estuque impiedosamente esventrado, as rubricas furtivamente esgaratujadas nos tampos de mesa dos anfiteatros abandonados à sonolência estéril de fim de tarde, agitada pelo revoar de poeiras nos raios de sol que, insidiosamente, vinham furtar pensamentos, enquanto a boca do docente continuava a articular sons há muito emudecidos no olhar vítreo da plateia.

Como vejo agora quão simples é. Porque jamais voltará a ser a antiga morada.
Ilusoriamente assumindo a forma e localização que anteriormente me havia abrigado, pouco permanece da vida que a insuflava.
Um templo consubstanciado naqueles que agora se enfileiram todos os dias na dispersão de direcções e não confluem já para definir a personagem colectiva que em tempos haviam delineado, numa espiral de forças centrípetas.

Ali já nada tem o gosto de colher e comer.